O padre José de Anchieta, em 1560, escrevendo sobre as coisas do Brasil, dizia (em Cartas de São Vicente) que “Há também nos rios outros fantasmas, a quem chamam ipupiara, isto é, que moram n’água, que matam do mesmo modo aos índios. Não longe de nós há um rio habitado por cristãos, e que os índios atravessavam outrora em pequenas canoas que eles fazem de um só tronco, onde eram muitas vezes afogados por eles, antes que os cristãos para lá fossem”. Esses e outros relatos semelhantes fizeram nascer no Brasil a lenda de um homem-peixe, ou homem-sapo.
Pero de Magalhães Gandavo, (? -1579), historiador e cronista português, autor do livro "História da Província Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil", editado em Lisboa, 1576, no qual procurava “mostrar as riquezas da terra, os recursos naturais e sociais nela existentes, para excitar as pessoas pobres a virem povoá-la”, registra que em São Vicente, no ano de 1564, residia na Casa de Pedra (misto de sede do governo, fortaleza e cadeia pública), vila de São Vicente, o jovem capitão Baltazar Ferreira, assistente do capitão-mór, e que este havia matado um monstro marinho a golpe de espada.
A narrativa dessa passagem, feita em www.hipupiara.org.br, de São Vicente, SP, diz, em resumo, que Baltazar tinha uma escrava chamada Irecê, namorada de Andirá, também escravo, com o qual se encontrava à noite, na praia. Certa vez ela chegou ao lugar de encontro na hora costumeira, avistou na rasura a canoa do namorado, mas não o encontrou. Chamou-o algumas vezes, e como não obteve resposta, já estava voltando para casa quando ouviu um urro vindo da beira do mar. Voltando-se, ela viu atrás de si um vulto enorme que parecia ser tudo, menos gente, caminhando em sua direção. Assustada, a moça correu para a Casa de Pedra chamando aos gritos pelo capitão, e quando o mesmo abriu a porta, contou-lhe sobre o bicho medonho que a perseguira. Diante disso Baltazar resolveu ir até a praia, armado com sua espada, e chegando lá, avistou a criatura que parecia ter barbas e bigodes, dois braços grandes, dentes pontudos e para fora, grosso, corpulento, roncando alto, um gigante marinho que caminhava de pé, gingando, em sua direção. Desembainhando a espada, Baltazar Ferreira a segurou com força, e quando aquela “coisa” estranha chegou perto de si, deu-lhe uma única estocada à altura do ventre, atravessando-lhe o corpanzil (na ilustração, desenho de autor ignorado dá uma idéia de como essa ação ocorreu). O animal fez um movimento furioso com os braços e tombou pesadamente, urrando com mais força e esguichando sangue. Os gritos de Irecê atraíram guardas da Casa de Pedra e escravos da vizinhança, e no justo momento em que eles chegaram ao local, o hipupiara (demônio da água) segundo disseram os índios, recobrara a energia e precipitara-se sobre o capitão, que só teve tempo de recuar e dar-lhe uma espadada na cabeça, vendo-o, em seguida, arrastar-se pesadamente em direção ao mar. Mas foi impedido pelos muitos homens que àquela altura ali se reuniam, e arrastado por eles até a vila, onde ficou exposto durante muitas horas. Um dos cronistas da época, relatando o fato, declarou que Baltazar Ferreira "sahira todavia desta batalha sem alento e com a vizam deste medonho animal ficara tam perturbado e suspenso, que, perguntando-lhe o pay, que era o que lhe havia succedido, nam lhe pôde responder, e assi como assombrado, sem fallar cousa alguma per hum grande espaço".
Pero de Magalhães Gandavo, em seu livro já citado, descreve a criatura como tendo “quinze palmos de comprido e semeado de cabelos pelo corpo, e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes. Os índios da terra lhe chamam em sua língua Hipupiara, que quer dizer demônio d’água”.
No entendimento do padre jesuíta português Fernão Cardim (1549-1625), autor da obra “Tratados da Terra e da Gente do Brasil”, extremamente significativa porque transmite a realidade geográfica e humana vigorante naquela época, “Esses homens marinhos se chamam na língua Igpupiara, têm-lhes os naturais tão grande medo que só de cuidarem nele morrem muitos, e nenhum que o vê escapa; alguns morreram já, e perguntando-lhes a causa, diziam que tinham visto estes monstros, parecem-se com homens propriamente de boa estatura, mas têm os olhos muito encovados. As fêmeas parecem mulheres, têm cabelos compridos e são formosas; acham-se esses monstros nas barras dos rios doces. Em Porto Seguro se vêem alguns, e já têm morto alguns índios. O modo que têm para matar é: abraçam-se com a pessoa tão fortemente, beijando-a, e apertando-a consigo, que a deixam toda em pedaços, e como a sentem morta dão alguns gemidos como de sentimento, e largando-a fogem; e se levam alguns, comem-lhe somente os olhos, narizes e pontas dos dedos dos pés e mãos, e as genitálias, e assim os acham de ordinário pelas praias com estas coisas menos”.
Jean de Léry Jean de Léry (1534-1611) pastor da igreja reformada de Genebra durante a fase inicial da Reforma Calvinista e que esteve no Brasil com a expedição de Nicolau Villegaignon, conta em sua obra “Viagem À Terra do Brasil”, o que ouviu diretamente dos índios tupinambás do Rio de Janeiro, no século 16: “(...) Não quero omitir a narração que ouvi de um deles, de um episódio de pesca. Disse-me ele que certa vez, estando com outros em uma de suas canoas de pau, por tempo calmo em alto mar, surgiu um grande peixe que segurou a embarcação com as garras, procurando virá-la ou meter-se dentro dela. Vendo isso, continuou o selvagem, decepei-lhe a mão com uma foice e a mão caiu dentro do barco, e vimos que tinha cinco dedos como a de um homem. E o monstro, excitado pela dor pôs a cabeça fora d’água, e a cabeça que era de forma humana, soltou um pequeno gemido (...)."
Por muito tempo a lembrança da fantástica ”Hipupiara” persistiu em todo o litoral paulista, especialmente em São Vicente e em Santos, atraindo a atenção dos estrangeiros de vários países. Segundo os cronistas de então, ele era um ser “bestial, faminto, repugnante, de ferocidade primitiva e brutal”. Hoje, na praça 22 de janeiro, junto a Biquinha de Anchieta (em São Vicente-SP), encontra-se um pequeno lago, com algumas carpas e uma escultura da provável forma física do monstro Ipupiara.
Texto retirado do site: http://www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1383929Autor: FERNANDO KITZINGER DANNEMANN
Seria esse semelhante ao monstro do Lago Ness? Interessante! ♥
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